
Os riscos psicossociais representam uma das dimensões mais complexas e silenciosas dentro da gestão de saúde e segurança do trabalho. Diferente dos riscos físicos ou químicos, seus efeitos não são visíveis de imediato, mas impactam diretamente a saúde mental, o bem-estar, a produtividade e o clima organizacional.
Gestores, técnicos e analistas de RH precisam assumir protagonismo na identificação, prevenção e mitigação desses riscos, especialmente frente ao cenário atual, onde o trabalho híbrido, as mudanças aceleradas e o aumento dos casos de adoecimento mental se intensificaram.
Neste artigo, exploramos 10 estratégias práticas e aprofundadas para o RH lidar com os riscos psicossociais, alinhadas às melhores práticas globais e às exigências normativas brasileiras, como a NR-1.
O que a NR-1 diz sobre riscos psicossociais?

A nova atualização da NR-01, publicada pela Portaria nº 1.419, de 27 de agosto de 2024, trouxe mudanças significativas ao incorporar, de forma oficial, os riscos psicossociais ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), atendendo às demandas atuais por ambientes de trabalho psicologicamente seguros.
Entre os Fatores de Riscos Psicossociais (FRPR) agora reconhecidos pela norma, destacam-se o assédio moral e sexual, a pressão excessiva por metas inatingíveis, a falta de apoio social no ambiente de trabalho, jornadas excessivas e o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional. Esses fatores devem ser identificados, avaliados e controlados juntamente com os riscos físicos, químicos, biológicos e ergonômicos.
O levantamento preliminar de riscos passa a exigir a inclusão de fatores subjetivos e organizacionais que possam afetar a saúde mental dos trabalhadores, como, por exemplo, práticas empresariais baseadas em metas agressivas, que deverão ser registradas como riscos psicossociais.
O Plano de Ação do PGR também foi atualizado, exigindo medidas preventivas específicas para esses riscos, ações de melhoria ergonômica, conforme a NR-17, e o monitoramento contínuo da efetividade das intervenções.

Além disso, a norma reforça a participação ativa dos trabalhadores na gestão de riscos, com consultas formais sobre a percepção de riscos psicossociais, a integração da CIPA no diagnóstico e formulação de soluções e a promoção de treinamentos sobre o novo escopo do PGR, ressaltando que a omissão dessa participação pode gerar riscos jurídicos e comprometer a eficácia das ações.
Embora a NR-01 não restrinja a elaboração do PGR a uma categoria profissional específica, recomenda-se a participação de especialistas em riscos psicossociais, como ergonomistas, psicólogos do trabalho e técnicos de segurança, adotando uma abordagem multidisciplinar para garantir diagnósticos mais precisos e intervenções eficazes.
Por fim, é importante destacar que, enquanto programas de promoção de saúde mental, como palestras e campanhas, são voluntários, a avaliação e o controle dos FRPR no âmbito do PGR são obrigatórios e possuem respaldo legal, sendo iniciativas complementares, porém não substituíveis.
10 estratégias para o RH mitigar os riscos psicossociais

Com a atualização da NR-1, os riscos psicossociais passaram a ter reconhecimento formal na legislação brasileira, exigindo das empresas ações mais estruturadas e eficazes para proteger a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores.
Esses riscos, que envolvem fatores como assédio moral, pressão excessiva, isolamento social, jornadas extensas e conflitos interpessoais, podem gerar impactos profundos na produtividade, no clima organizacional e até na segurança do trabalho.
Diante desse cenário, é papel estratégico do RH liderar iniciativas que garantam ambientes de trabalho psicologicamente seguros, saudáveis e respeitosos, alinhando-se às exigências legais e às boas práticas de gestão de pessoas.
Pensando nisso, elaboramos um guia completo com 10 estratégias práticas e acessíveis para o RH mitigar os riscos psicossociais no ambiente corporativo, promovendo a conformidade com a NR-1 e, principalmente, cuidando do capital humano da empresa.
Ao aplicar essas estratégias, sua organização estará fortalecendo uma cultura de cuidado, prevenindo doenças ocupacionais, reduzindo passivos trabalhistas e elevando o nível de engajamento e retenção de talentos.
Estratégia 1: Mapeamento contínuo e multidimensional dos riscos psicossociais
Mapear riscos psicossociais exige abordagem sistemática, multidimensional e recorrente. Não basta aplicar uma pesquisa de clima anual, é preciso uma abordagem estratégica e avançada.
Abordagens avançadas:
- Aplicação do COPSOQ (Questionário Psicossocial de Copenhagen) ou ferramentas equivalentes adaptadas à realidade brasileira.
- Condução de entrevistas em profundidade e grupos focais setoriais, buscando identificar zonas de conflito e fatores de estresse.
- Análise integrada de indicadores de saúde, segurança e gestão de pessoas, como absenteísmo, afastamentos psiquiátricos, turnover, conflitos e acidentes.
Erro frequente: Tratar os riscos psicossociais como uma fotografia pontual, sem plano de ação contínuo.
Estratégia 2: Capacitação intensiva e prática de lideranças

Lideranças despreparadas são os maiores vetores de ampliação dos riscos psicossociais.Por isso, é fundamental ações que contribuam com a capacitação das lideranças.
Como capacitar de forma efetiva:
- Programas robustos de desenvolvimento de soft skills, com foco em inteligência emocional, empatia, escuta ativa e gestão de conflitos.
- Simulações práticas e role-plays de situações reais de conflito, com filmagem e feedback estruturado.
- Assessment 360° com foco em comportamentos psicossociais, não apenas operacionais.
Desafio: Convencer líderes resistentes, mostrando o impacto econômico dos riscos psicossociais no turnover, absenteísmo e produtividade.
Estratégia 3: Políticas e canais reais de combate ao assédio
Criar políticas robustas e canais eficazes é fundamental para combater o assédio moral, sexual e outras formas de violência organizacional.
Boas práticas:
- Política de assédio clara, atualizada e revisada anualmente.
- Canal de denúncia que ofereça sigilo para que o colaborador possa registrar episódios de assédio.
- Treinamentos obrigatórios anuais, incluindo lideranças.
- Divulgação transparente de dados anonimizados sobre denúncias e providências.
Ponto crítico: Tratar denúncias apenas juridicamente, sem suporte psicológico às vítimas, gera revitimização.
Estratégia 4: Programas estruturados de equilíbrio trabalho-vida

Promover equilíbrio real entre vida profissional e pessoal, evitando armadilhas do trabalho remoto, excesso de carga mental e cultura da hiper eficácia.
Como avançar:
- Política formalizada de desconexão digital.
- Ferramentas de autogerenciamento de bem-estar.
- Comitês internos para análise de sobrecarga e revisão de rotinas extenuantes.
Case de sucesso: A Unilever testou a semana de 4 dias de trabalho com resultados positivos em redução de burnout e aumento de satisfação.
Estratégia 5: Programas de apoio psicossocial efetivos e integrados
Programas de apoio psicológico devem ser integrados à cultura da empresa, não tratados como benefício opcional.
Como implementar com eficácia:
- Campanhas permanentes de desestigmatização da saúde mental.
- Incorporação do uso do programas de apoio psicológico em trilhas de onboarding e desenvolvimento.
- Monitoramento de indicadores de uso e efetividade, com ajustes contínuos.
Estratégia 6: Clareza contínua de papéis, metas e expectativas
A ambiguidade de papéis gera conflitos, ansiedade e sobrecarga, podendo ser um grande empecilho nas políticas de saúde mental da empresa. Algumas ferramentas são recomendadas para garantir a eficácia das estratégias.
Ferramentas recomendadas:
- Matriz RACI atualizada continuamente.
- Workshops participativos de redesenho de papéis e fluxos.
- Revisões trimestrais de metas e expectativas, com foco em clareza.
Estratégia 7: Redesenho ergonômico dos processos de trabalho

Processos mal dimensionados, engessados ou obsoletos geram frustração, sobrecarga e alienação.
Como atuar:
- Mapeamento ergonômico dos processos críticos.
- Cocriação com as equipes de fluxos mais saudáveis.
- Gamificação de processos para aliviar carga mental.
Estratégia 8: Gestão participativa autêntica e empoderada

A gestão participativa real vai além de pesquisas de opinião, é preciso ter ações efetivas que incentivem essa participação.
Como implementar:
- Comitês de saúde mental com poder deliberativo.
- Plataformas digitais de escuta anônima com resposta pública das lideranças.
- Hackathons internos para cocriar soluções com as equipes.
Estratégia 9: Educação contínua em saúde mental e riscos psicossociais
A educação não pode ser pontual. Deve ser contínua, multicanal e contextualizada.
Práticas avançadas:
- Campanhas anuais com temáticas evolutivas.
- Uso de storytelling real de colaboradores.
- Gamificação com quizzes e desafios educativos.
Estratégia 10: Painel de indicadores vivos e integrados

Indicadores psicossociais devem ser dinâmicos, visíveis e integrados aos indicadores de negócio. Sua visibilidade para os colaboradores é essencial para que essas políticas tragam resultados concretos.
Como estruturar:
- Painel digital com atualização em tempo real.
- Integração com indicadores de turnover, absenteísmo, produtividade e clima.
- Benchmarking externo com dados setoriais.
Concluindo
Os riscos psicossociais não podem mais ser tratados como uma agenda periférica ou restrita ao campo da saúde ocupacional. Eles são, hoje, uma das principais fontes de adoecimento organizacional silencioso, capazes de corroer não apenas a saúde dos colaboradores, mas também a sustentabilidade dos negócios, a performance e a reputação corporativa.
A integração dos riscos psicossociais ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), conforme exige a NR-1, é apenas o primeiro passo – o aspecto legal e obrigatório. O verdadeiro diferencial competitivo surge quando as organizações transformam essa obrigação em cultura, adotando uma abordagem preventiva, humanizada, participativa e alinhada à estratégia organizacional.
Ao aplicar as estratégias apresentadas, o RH assume um papel protagonista na promoção de ambientes psicologicamente seguros, saudáveis e produtivos, favorecendo o florescimento humano e a perenidade dos negócios.







